A discussão acerca dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transvestigêneres, Queer, Intersexos, Assexuais e Pansexuais (LGBTQIA+) deve ser pauta diária e incessante em uma nação que se considere regida, ao menos em tese, pelo Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil.
Nesse sentido, o referido debate torna-se mais imperioso no cenário brasileiro, em virtude do tratamento ainda discriminatório e excludente que nossa sociedade confere à questão da diversidade sexual e de gênero.
A questão verteu-se em problemática social, na medida em que ao assumir uma orientação sexual ou de gênero diversa dos padrões heteronormativos socialmente estabelecidos, as implicações são, em regra, a violação de direitos fundamentais como à vida, saúde, integridade, igualdade, consubstanciada na violência simbólica, física, na discriminação e, consequentemente, na exclusão social dessa população considerada hipervulnerável.
Assim, em razão da cultura de desrespeito e violações sistemáticas aos direitos desse segmento, o Brasil ainda figura como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, tendo alçado do 55º lugar de 2018 para o 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT, de acordo com dados apresentados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais.
Não obstante essa realidade, importante relembrar que a luta desses grupos tem ecoado cada vez mais no Brasil, a despeito do recrudescimento de práticas criminosas, como a homofobia, sobretudo, atualmente, com a crise sanitária da Covid-19 em que foi constatado o aumento da violência contra a população LGBT.
Nesse contexto, percebe-se, por exemplo, que o Judiciário se tornou, em certa medida, mais atento às demandas e necessidades desse segmento. O Poder passou a decidir de forma menos conservadora e em consonância com a dignidade da pessoa humana, com a igualdade material, ao direito de autodeterminação do sujeito, e, em última instância, ao próprio direito à felicidade, conforme propaga o Ministro Celso de Mello.
Contudo, apesar dos esforços da sociedade civil organizada e de certa disposição do Judiciário em reconhecer tais pautas, o Governo Federal – daquele que evoca o famigerado torturador da ditadura, que exalta o regime nazista, bem como a Ku Klux Klan, dentre outros absurdos inimagináveis – entendeu por “bem” extinguir quase todos os conselhos de direitos e de participação social. Dentre eles o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, por meio do Decreto nº 9.759 de 11 de abril de 2019, consoante Nota Pública do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Desse modo, é possível inferir que a intenção do Governo Federal ao criar óbice à participação popular na formulação das políticas públicas era de vulnerabilizar ainda mais a população LGBTQIA+.
E é nesse delicado e preocupante cenário social que o filme Milk – A Voz da Igualdade torna-se imprescindível de ser visto. O contexto da trama é o início dos anos 70 e retrata a biografia de Harvey Milk, interpretado brilhantemente por Sean Penn, cuja atuação lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator.
Até aqui nada de excepcional, uma vez que São Francisco a essa altura já era conhecida por albergar uma expressiva população LGBT. Contudo, as coisas mudam completamente quando Milk decide se candidatar. Ele encabeçou várias mobilizações da luta LGBT, e foi eleito para o cargo de Supervisor da cidade, em 1977, tornando-se o primeiro homem declaradamente gay a assumir um cargo público dessa estatura nos EUA, e ao que tudo indica, no mundo.
O filme é magnífico, bastante representativo de uma época que é, infelizmente, muito atual; sem apelar para exageros, clichês, mostrando a vida como ela é. Harvey Milk, mesmo em meio ao caos, ao ódio, à discriminação, à tentativa de destruição de identidades e violação de direitos, mobiliza, inspira, desafia e até mesmo sacrifica projetos pessoais em nome da efetivação da igualdade, do direito ao reconhecimento da diversidade, alteridade e de ser, simplesmente, feliz.
Assim, o filme serve como reflexão, debate, e revisão de práticas e posições em relação ao outro e o respeito à sua autonomia.
Importante asseverar que o movimento LGBTQIA+ não deseja mera tolerância. Percebe-se que a reivindicação é no sentido de ter direito a existir tal como sua identidade autopercebida e não como a sociedade pensa que é moralmente adequado, seja por convicções religiosas ou ideológicas heteronormativas e patriarcais.
Na verdade, o que viola tais valores são as práticas discriminatórias que tanto atentaram e ainda atentam aos direitos da população LGBTQIA+. Tais Direitos existem independente da chancela do atual Governo genocida. Cabe a nós, minimamente, na qualidade de sujeitos que defendem de forma intransigente a promoção dos direitos humanos, propagá-los, efetivá-los em nossas pequenas práticas diárias e em nossas relações mais próximas.
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* Yasminn Santana é advogada, graduada em Direito (UESB), pós-graduanda em Direito Processual Penal e Direito Penal e pós-graduanda em Direito Processual Civil. Yasminn escreve artigos periodicamente para o Caderno de Notícias.