Presas dão à luz algemadas, dentro da cela e sem atendimento médico

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Presas forçadas a fazer o parto algemadas, com agressão física, dentro da cela e sem atendimento médico. Algumas ainda são submetidas à cirurgia de laqueadura sem saber. Essas foram situações relatadas por profissionais do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ), órgão vinculado à Assembleia Legislativa do estado, em visita, ocorrida em setembro, à UMI (Unidade Materno Infantil) Madre Tereza de Calcutá, em Bangu, zona Oeste do Rio de Janeiro, onde se situa um grande complexo penitenciário.

O relatório sobre a visita, obtido e divulgado pela plataforma Universa/UOL, descreve o cenário que encontraram, em 10 de setembro, como “desumano, degradante e cruel”.

Desde 2016, um decreto regulamenta a lei durante o trabalho de parto, no seu trajeto entre a unidade prisional e a hospitalar, após o parto, e enquanto a gestante estiver hospitalizada. O Rio de Janeiro tem ainda sua própria lei, também de 2016, proibindo o uso de algemas, calcetas ou outro meio de contenção física durante o trabalho de parto da presa em estabelecimentos de saúde pública e privada.

Há três anos, a Justiça brasileira exige prisão domiciliar em vez de prisão preventiva para gestantes, mães de pessoas com deficiência e mães de crianças de até 12 anos, exceto quando acusadas de crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça, ou de crimes contra seus dependentes.

Em nota [veja na integra abaixo] enviada a Universa, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) diz que o secretário Fernando Veloso esteve no local após a divulgação do relatório e “não foi levantada nenhuma questão apontada no relatório”.

Parto dentro da cela, sem assistência médica

Os dados mais recentes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça e da Segurança Pública apontam que, no período de julho a dezembro de 2020, o Brasil tinha 668.135 mil presos, sendo 4,29% (28.688) mulheres. Ao todo havia, nesse período, 156 gestantes e parturientes, 76 lactantes e 502 crianças com suas mães.

O MEPCT/RJ é responsável pela fiscalização nas 54 unidades prisionais do Rio, além das 8 socioeducativas e hospital psiquiátrico, desde 2011. No momento da visita do MEPCT, a UMI Madre Tereza de Calcutá tinha 16 mulheres e 4 bebês. Entre elas, 12 grávidas, seis estavam na reta final de suas gestações, e quatro eram puérperas.

“As mulheres nos relataram que, principalmente à noite e nos fins de semana, só podem se comunicar para pedir auxílio a partir de um interfone e que este muitas vezes é desligado nestes períodos, deixando-as sem amparo caso necessitem de ajuda, atendimento médico ou entrem em trabalho de parto”, afirma a psicóloga Graziela Sereno, membro do MEPCT desde 2015.

Por questões de segurança, e a pedido das presas, a reportagem não divulgou a identidade das mulheres que conversaram com os integrantes do MEPCT, mas reproduziu partes dos depoimentos que elas deram ao órgão. Um trecho diz que “as internas nos contaram que uma presa que já havia sido transferida de unidade e estaria, no momento, no Instituto Penal Santo Expedito, quando teria entrado em trabalho de parto e tentado, junto com as demais presas, pedir para que as agentes as ajudassem pelo interfone, mas não obtiveram resposta. Assim, o parto terminou sendo realizado por outra presa, dentro do próprio alojamento, tendo que se valer inclusive de um barbante para cortar o cordão umbilical.

No relatório, os técnicos contam ainda que foram reveladas agressões contra uma das grávidas na hora do parto, realizado no Hospital Albert Schweitzer, em Realengo. E que foi preciso um profissional de saúde pedir para que o agente parasse a agressão e ordenar a retirada das algemas durante o parto.

Em outra parte do documento, relata-se que uma agente que acompanhou uma presa em trabalho de parto até o hospital a algemou na ambulância, deu dois tapas em seu rosto e xingou a interna durante todo trajeto. Ao chegarem no hospital, a enfermeira que a acompanhava teve que intervir, interrompendo a ação da agente afirmando que ‘aqui ninguém agride ninguém e nem vai colocar algema. Aqui ela é uma paciente como todas as outras’.”

Chamou atenção, ainda, o caso de outra presa, que disse ter passado por laqueadura no mesmo dia da cesárea, sem que fosse informada do procedimento. Era a terceira cesariana da presa e teria sido considerada gravidez de alto risco.

Entre os dispositivos da lei do planejamento familiar, de 1996, consta que é vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores. E somente é permitida a esterilização voluntária em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico. Ele pode ser feito ainda caso haja risco à vida ou à saúde da mulher ou do bebê, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

‘Mudanças são feitas quando alguém morre’, diz pesquisadora

O relatório apresenta recomendações de melhorias e foi enviado a 16 órgãos como a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ministério Público e Defensoria Pública, além de 5 ONGs.

Com essas denúncias, o MP se encarrega das investigações. “Infelizmente, as mudanças são feitas quando alguém morre. Já denunciamos o caso de uma mulher que teve parto em uma solitária e a família nunca recebeu indenização. Inclusive ela nem vê a filha, porque é paciente psiquiátrica”, afirma Graziela.

“Tenho um caso também com imagens da presa sendo torturada e o juiz falando que era só uso excessivo da força”, diz. Na avaliação da especialista, o maior desafio em melhorar o sistema carcerário é sensibilizar a Justiça. “E mudar a forma com veem essas pessoas, como desvalidas, como se isso justificasse a violência”.

Outro lado

Por meio de nota, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) informou que faz visitas periódicas às unidades prisionais femininas, bem como reuniões com gestores e órgãos parceiros, além de apoiar projetos relacionados às mulheres no sistema prisional como doações de equipamentos, ações de saúde, entre outros. A Universa questionou a Seap sobre o relatório por e-mail. O órgão fluminense informou que o secretário Fernando Veloso esteve recentemente na UMI conversando com as internas e funcionárias, e não foi levantada nenhuma questão apontada no relatório.

A nota enviada pela Secretaria afirma ainda que a UMI é frequentemente acompanhada pelo juiz da 4° Vara da Infância Juventude e Idoso, além dos demais órgãos fiscalizadores. Diz um trecho enviado à reportagem: “Cabe ressaltar que a atual gestão está fortalecendo a ouvidoria do órgão, preparando suas equipes para oferecer os melhores encaminhamentos para as denúncias recebidas”.

O órgão afirma ainda que promove eventos para as internas como debates sobre cuidados com os bebês, em parceria com órgãos como o TJ (Tribunal de Justiça), Unicef/Brasil e UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

A reportagem também procurou o Ministério Público para saber se existe alguma investigação referente ao relatório. Por nota, o órgão informou que a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital “apura suposta ocorrência de irregularidade no atendimento em saúde, inclusive mental, às gestantes privadas de liberdade notadamente violência obstétrica, nas unidades prisionais do município do Rio de Janeiro”.

O MP afirma ainda que oficiou ao MEPCT-RJ para que o órgão prestasse informações sobre as denúncias investigadas, e que o relatório foi enviado como resposta a esse ofício, e juntado aos autos do inquérito que ainda está em andamento.

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