Entidades se organizam para enfrentar decisão judicial que leiloa prédio do Arquivo Público

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Representantes de mais de dez entidades comprometidas com a preservação do patrimônio histórico e cultural se reuniram na manhã desta quinta-feira (18), no Solar Góes Calmon, sede da Academia de Letras da Bahia (ALB), para se articularem juridicamente e na mobilização social em defesa da Quinta do Tanque, prédio em que funciona, nos últimos 40 anos, o Acervo Público do Estado da Bahia (Apeb), agora ameaçado por decisão judicial, transitado em julgado, que permite o leilão do espaço e desabriga 41 milhões de documentos históricos, de cinco conjuntos de acervo, os mais antigos com 470 anos.

Líderes de entidades baianas discutem articulação jurídica e mobilização social em defesa do prédio do Acervo Público do Estado da Bahia. | Foto: Divulgação ABI

Entre as medidas discutidas, e que passam a ser organizadas entre as entidades, estão um estudo jurídico detalhado para identificação de possíveis ações que podem ser movidas; uma mobilização internacional, diante da relevância do museu para a história mundial, incluindo a busca de novos títulos que reforcem tal importância, como o de Patrimônio da Humanidade; a organização e produção de documentos que registrem o histórico do prédio datado do século XVI, até mesmo ações simbólicas, como o planejamento de um abraço coletivo na Quinta do Tanque ou mesmo uma vigília no local.

Além das notas e posicionamentos anteriormente feitos sobre o assunto, as entidades entendem que é preciso ações concretas urgentes. Para isso, reuniram-se os representantes da Academia de Letras da Bahia (ALB), da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento da Bahia (IAB-BA), da seção baiana da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além de professores da Universidade Federal da Bahia, historiadores e membros de conselhos consultivos e fóruns relacionados ao patrimônio.

Marcando posição

O encontro desta quinta-feira (18) funcionou como uma reunião aberta, seguido de uma coletiva de imprensa. Para o presidente da Associação Bahia de Imprensa, Ernesto Marques, o enfrentamento jurídico que se busca não é uma afronta à justiça, antes a busca pela preservação da memória coletiva. Ernesto incentivou os jornalistas a se engajarem na pauta. “A imprensa, todos nós, como jornalistas, empreendedores e empresários da comunicação, temos um papel relevante nesse processo. Estamos diante de um convite ao jornalismo investigativo, do bom jornalismo, para denunciar isso que podemos dizer que é um crime contra a humanidade”, afirmou.

O atual presidente da ALB, Ordep Serra, acredita que é preciso lutar contra a injustiça. “A ideia de retirar esses documentos, e se desfazer esse arquivo, em nome de um interesse privado, é escandaloso e inaceitável. É uma vergonha para a Bahia”, classificou o antropólogo. A professora da UFBA, Edilene Matos, vice-presidente da ALB, lembrou que essa é uma “briga em que todos os Acadêmicos estão envolvidos”.

Em nome da IAB-BA, Luiz Antônio de Souza, atual presidente da entidade, destacou que “o assunto não pode ser tratado como a venda de um outro bem público comum”, citou como exemplo a Rodoviária de Salvador e o Centro de Convenções, já que, no caso da Quinta do Tanque, trata-se de um bem tombado pelo Iphan e que, em tese, deve ser considerado inalienável. “Ao pedirmos a suspensão do leilão, isso não significou o fim do problema, mas a possibilidade da sociedade reagir mais veemente a essa situação. Como [a justiça] foi capaz de colocar preço na memória do mundo? Como põe preço assim na memória de Salvador?”, perguntou Luiz.

“Estamos vivendo na Bahia a situação absurda da Justiça ameaçar um patrimônio”, resumiu a professora da Faculdade de Arquitetura da UFBA e membro titular do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, Márcia Sant’Anna. Ela acredita que “estudar o caso da judicialização que impede a venda do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, igualmente tombado, pode colaborar com ações de proteção da Quinta do Tanque”. Já o presidente do IGHB, Eduardo de Castro, disponibilizou sua equipe técnica para trabalhar nas ações, além de lembrar que “o prejuízo é ainda maior por conta de investimentos recentes feitos no prédio para melhoria das instalações”. Parte do grupo esteve reunido, dias atrás, na Casa Civil estadual e contou ter ouvido a promessa de uma mobilização do governador Rui Costa para impedir a venda do prédio.

Também participaram das discussões desta quinta o Acadêmico e associado da ABI, Paulo Ormindo; a representante na Bahia da SBPC, Tânia Hetkowski – que defendeu a mobilização com as universidades; a representante do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio, a também professora da FAUFBA, Ceila Cardoso; Daniel Colina, do fórum A Cidade Também é Nossa, que reúne dezenas de entidades da capital; além de historiadores e ex-funcionários do Acervo Público do Estado da Bahia.

Entenda o Caso

Por conta de um serviço que não lhe foi solicitado (a simples elaboração de um projeto), um escritório de Arquitetura, o TGF, cobra ao Estado da Bahia uma dívida que já se aproxima dos R$50 milhões. No ano de 2005, a Bahiatursa, a quem se cobrava essa “dívida”, colocou em penhora o imóvel da Quinta do Tanque.

Este ano, transitou em julgado um processo no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, uma sentença que determina o leilão do imóvel, tombado em 1949 como patrimônio histórico nacional. Diante dos protestos, o leilão foi adiado e o juiz exige que, em sessenta dias, a Fundação Pedro Calmon elabore um plano de remoção dos documentos mantidos no Arquivo. O Apeb é um dos maiores acervos de história colonial do mundo.

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