Missionários evangélicos convencem indígenas a não aceitarem vacina contra Covid-19

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Em aldeias na Região Norte do país, missionários evangélicos têm espalhado mentiras sobre a vacina contra a Covid-19, segundo relatório entregue à CPI da Covid e reportagem do UOL. Para convencer os indígenas, os pastores dizem que o imunizante já vem contaminado da China em um plano “diabólico”: usar o imunizante para marcar indígenas com o número da Besta, o 666 citado no livro bíblico do Apocalipse.

O relatório informa que, no Amazonas, religiosos espalham mentiras entre integrantes do povo kokama. Dizem “que o imunizante os transformaria em animais, homossexuais ou os mataria” e que “neles seria implantado um chip que carregaria a ‘marca da Besta'”. Os relatos são confirmados por Milena Kokama, 63, vice-presidente da Federação Indígena do Povo Kokama.

Em fevereiro, um helicóptero da FAB (Força Aérea Brasileira) com agentes de saúde e doses de vacina foi cercado por indígenas com arcos e flechas às margens do rio Purus (sul do Amazonas), na terra indígena dos jamamadis. Segundo o relatório, os indígenas deram um ultimato: não receberiam o imunizante enquanto um missionário americano não fosse liberado para entrar na região e “os orientasse sobre a vacina”. Eles se referiam a Steve Campbell, da Greene Baptist Church, expulso da região em dezembro de 2018 pela Funai (Fundação Nacional do Índio).

Nas comunidades próximas ao rio Içá, afluente do Amazonas, “pastores teriam se dirigido ao município em tentativa de impedir que as vacinas chegassem na comunidade”, afirma o relatório. Os responsáveis seriam da Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada por Valdemiro Santiago, e da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor R.R. Soares. Procuradas por e-mail, as congregações não responderam aos questionamentos do UOL.

Na maior concentração de povos isolados do mundo, no Vale do Javari (oeste do Amazonas), “aldeias já disseram à Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde] que não irão aceitar a vacina”, segundo a União dos Povos Indígenas da região.

Apenas as comunidades vinculadas a grupos evangélicos seriam resistentes à imunização. “Na comunicação que eles fazem por rádio, que todas as aldeias escutam, eles dizem que a vacina foi fabricada muito rápido para os indígenas virarem cobaia”, diz Beto Marubo, representante da entidade. Milena diz que, para chegar ao Alto Solimões, onde vive seu povo, são cinco dias de barco. Não tem rua nem carro. “As informações chegam aqui distorcidas, perfeito para esses pastores”, diz.

O número da Besta

Já na terra indígena arariboia, no Maranhão, evangelizadores ligados à Assembleia de Deus usariam áudios e vídeos pelo celular, sistema de rádio das aldeias e cultos presenciais para convencer os indígenas “a não se vacinarem”, segundo o relatório entregue à CPI. Procurada pelo UOL por e-mail e telefone, a igreja também não respondeu.

“Tem propagação por pastores de que a vacina vem junto com um chip, que tem o número da Besta, que quem toma a vacina vira jacaré”, diz trecho do documento entregue à CPI da Covid. Relatos parecidos teriam ocorrido em aldeias de Itacoatira (Amazonas), Xingu (Mato Grosso) e Rondônia, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.

“Não acredito nesse Deus que eles falam que quer ver sua criação morrer. Como se Ele não quisesse que eu nascesse indígena. Então por que Ele me fez indígena? Já nasci condenada a morrer de covid? Deus já está atendendo nossas orações ao nos dar a vacina”, afirma Milena Kokama, líder do povo kokama. Uma das lideranças do povo apurinã e cacique da aldeia Decorã (AM), Ze Bajaga Apurinã (55), contou ao UOL que há “uma lavagem cerebral nas aldeias com mais evangélicos”.

Números de Covid-19

Ao todo, 54.438 foram infectados e 1.072 morreram de covid-19 desde o início da pandemia entre os cerca de 1,3 milhão de indígenas brasileiros, nas contas do Comitê Nacional da Vida e Memória Indígena, formado por lideranças e especialistas em saúde para conter os danos causados pela pandemia sobre esses povos. O Ministério da Saúde fala em 673 mortes.

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