ONU Agricultura: Com dívida inédita, Brasil pode perder direito ao voto na FAO

Dívida chega a US$ 23 milhões e 23,8 milhões de euros

Um dos maiores produtores agrícolas do mundo, o Brasil vive uma situação de risco na FAO, a agência da ONU para a Agricultura. Sem completar o pagamento de sua contribuição obrigatória, o governo brasileiro começa 2022, em tese, podendo perder seu poder de voto na instituição. A informação é do colunista do UOL, Jamil Chade.

Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o país parou de pagar a instituição de forma integral. A regra na entidade estabelece que, ao completar dois anos sem fazer depósitos completos, um governo perde seu direito ao voto nas decisões da instituição. Hoje, o Brasil contribui com cerca de 3% do orçamento da FAO.

Procurado para explicar a situação, o Itamaraty disse que tem se esforçado para quitar as dívidas internacionais. “Esse esforço conjunto permitiu, na última semana, viabilizar pagamentos da ordem de R$ 846 milhões a organismos internacionais e R$ 2,8 bilhões a bancos e agências de fomento de 2021. Com isso, o país preserva sua capacidade de atuação em foros tais como ONU, UNESCO, OMC, OIT e OPAQ, entre outros”, respondeu.

Mas o governo admite que seu esforço não pode ter sido suficiente. “No caso da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil aguarda manifestação da secretaria sobre o recebimento dos montantes enviados nos dias 29 e 30 de dezembro. A efetiva disponibilização desses recursos depende de prazos de compensação bancária, bem como do câmbio vigente, inclusive porque a FAO emite faturas tanto em dólares quanto em euros”, informou.

“Nesse contexto, é que os pagamentos brasileiros não foram suficientes para saldar integralmente a contribuição do exercício 2019. Com vistas a neutralizar quaisquer impactos, o Ministério das Relações Exteriores já está em contato com o Ministério da Economia no sentido de priorizar novos pagamentos à FAO, tão logo haja disponibilidade de recursos”, disse. De acordo com o Itamaraty, o direito a voto é restaurado “tão logo os países-membros quitem seus débitos em atraso”.

De acordo com negociadores brasileiros, a perda de voto ainda não ocorreu na prática, mas a suspensão já poderia ser aplicada a partir do dia 1 de janeiro de 2022. Também não há uma previsão de conferência da FAO, o que amenizaria o constrangimento para o Itamaraty. Mas, se uma crise surgir e uma reunião exigir a convocação de um voto, o Brasil pode ficar de fora.

Mesmo se acabar evitando a perda de seus direitos, a situação no qual o governo brasileiro se encontra é descrita por funcionários da agência como “vexame” e “reveladora” da atual política externa.

Para manter seus direitos plenos na FAO, o Brasil precisava pagar as dívidas acumuladas de US$ 2,5 milhões e 7,1 milhões de euros, referentes ao orçamento de 2019. Mas, segundo fontes em Brasília, apenas uma parcela desembarcou nos cofres da agência.

Em comunicado enviado ao governo brasileiro, a FAO detalha o débito do país. O Brasil deve US$ 9,8 milhões e 5,5 milhões de euros, relativos ao ano de 2021. O governo também deve a mesma quantidade para o ano de 2020, tanto em euros como em dólares. Isso tudo sem contar com o valor de 7,9 milhões de dólares e 5,5 milhões de euros que o Brasil deveria ter pago em 1 de janeiro, relativo às contribuições para o ano de 2022.

Somando todos os anos relatados no documento da FAO cobrando o governo, a dívida chega a US$ 23 milhões e 23,8 milhões de euros.

Em outro documento oficial da FAO, obtido pelo UOL, a entidade também constata que a dívida brasileira é a segunda maior entre todos os países que fazem parte da instituição.

Só o governo americano conta com um buraco maior. O que a Casa Branca deve chegar a mais de US$ 110 milhões. A contribuição anual dos EUA, porém, é muito superior que a brasileira.

A falta de pagamentos do Brasil para a FAO ocorre no mesmo momento em que a instituição revela, em seus dados, um salto sem precedentes da fome no Brasil nos últimos 20 anos, enquanto o governo é denunciado por um desmonte das políticas de segurança alimentar.

De acordo com a informação coletada pela instituição, 24% dos brasileiros vivem um estágio de fome moderada, enquanto 8% atravessam uma situação de fome severa. Antes da pandemia, uma taxa era de 2,5%.

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