Prisão Preventiva e Sensação de Impunidade

O advogado Daniel Keller* comenta a recente conversão do TJ-BA de prisão em flagrante para prisão preventiva de José Luiz de Britto Meira Júnior, advogado criminalista envolvido na morte da namorada Kezia Stefany da Silva Ribeiro, de 21 anos.

Mais uma Prisão Preventiva utilizada como uma antecipação de uma punição para satisfazer o clamor público por justiça.

Sabe o que vai acontecer? O de sempre. Vão passar alguns meses e a justiça vai acabar declarando o óbvio. A revogação da prisão através de um Habeas Corpus.

A regra em toda democracia é que a prisão só é cabível com julgamento definitivo e a prisão preventiva é uma medida aplicada a casos excepcionais.

O uso equivocado dessa prisão provisória e sua consequente revogação no futuro só vai servir pra aumentar a insatisfação da população com o poder judiciário. A sensação de que o crime fica sempre sem punição.

Quantas vezes vimos essa história? Sujeito executa um crime grave, é preso preventivamente e a justiça acaba soltando depois… afinal a prisão foi usada de forma errada e a população, que não entende o instituto jurídico, fica indignada com a sensação de impunidade.

Acontece que o problema da impunidade não está no direito constitucional de aguardar o processo em liberdade, mas na letargia do judiciário.

Ora, se os processos fossem julgados com a rapidez que determina a lei nem pensaríamos em prisão preventiva.

Quer cobrar por justiça? Cobre celeridade processual.

Vocês sabiam, por exemplo, que o inquérito policial, com acusado preso em flagrante, deveria ser concluído em 10 dias? (Art 10 do Código de Processo Penal)

Que a audiência no processo criminal comum deveria ocorrer no prazo máximo de 60 dias? (Artigo 400)

E que o juiz deveria proferir a sentença na própria audiência ou no prazo de 10 dias depois das alegações finais dos advogados e promotores? (Art 403)

E que os “muitos recursos” se resumem ao recurso de Apelação e eventuais Embargos de Declaração que podem ser julgados em 90 dias?

Sabia que os recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF) são raríssimos e a maioria é vetada ainda nos Tribunais dos Estados?

Sabia que nos casos de Júri Popular o julgamento tem que ocorrer no prazo máximo de seis meses da decisão que o determina? (Art 428)

Agora procure um processo em que todos esses prazos são respeitados… pois é…

Por sinal, você sabia que mesmo com todos esses prazos os processos criminais prescrevem todos os anos pela demora no julgamento? E olha que tem casos aguardando quase 10 anos por um julgamento em primeira instância.

Quando o Estado decreta uma preventiva de forma equivocada para aplacar a sede de justiça da população está apenas ludibriando as pessoas. Dando uma resposta rápida e temporária que esconde o verdadeiro problema, o poder judiciário não consegue cumprir os prazos previstos na lei e não consegue julgar os processos no tempo devido.

A culpa é dos juízes? Claro que não! A grande maioria dos juízes são profissionais extremamente competentes e que fazem o que podem com a estrutura precária da justiça criminal. Nossos juízes estão entre os mais produtivos do mundo em número de decisões. O problema é de investimento público.

Procure saber, por exemplo, quantos juízes criminais existem em sua cidade? No Brasil temos uma média de 5,3 juízes (dado de 2017) para cada 100 mil habitantes, na Argentina é mais do que o dobro – e eu usei a Argentina para não comparar com a Europa e Os Estados Unidos.

Em Salvador, por exemplo, existem 4 Varas do Júri (4 juízos em duas varas) para julgar todos os homicídios (e “Feminicídios”) consumados e tentados na cidade. Em uma capital que tem uma média de 1.300 homicídios por ano é fácil perceber onde está o problema. E olha que eu não estou contando as tentativas de homicídio e os outros crimes dolosos contra a vida que também são julgados por essas varas.

E qual a importância disso?

A importância é que nós como população precisamos entender que o problema da justiça não está na Constituição, nas leis, nos recursos ou nos juízes. Está na falta de investimento público na estrutura do judiciário.

Políticos e gestores públicos gostam de colocar a culpa da impunidade na legislação criminal, mas a verdade é que precisamos de investimento para que sejam abertas mais vagas para juízes, promotores, serventuários e delegados. Acontece que reconhecer isso é reconhecer a incompetência desses gestores na administração do patrimônio público…

Sacrificar direitos individuais, como o direito a presunção da inocência, para atingir um falso ideal de justiça é a solução dos regimes ditatoriais para o problema da delinquência, nunca das democracias.

Fonte: Politize

*Daniel Keller é advogado criminalista, palestrante e professor universitário.

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