Ford, Bolsonaro, Argentina e taxação de fortunas: que relação há entre tudo isso?

A Ford anunciou nesta segunda-feira (11) o fim da produção de carros no Brasil. Em tempos de pandemia, o cenário não poderia ser pior: o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari estima que 10 mil trabalhadores serão afetados só na Bahia. Sem falar em quem será afetado indiretamente.

Até esta segunda, não se repercutia o temor por uma notícia como essa. Mas há quem tema a taxação de fortunas, proposta que tem sido debatida na Câmara. O “fantasma do comunismo” é alimentado por teorias da conspiração, mas tão perto dos nossos olhos estão as tragédias causadas pelo liberalismo, que mostra cada vez mais que não mede impactos sociais e ambientais para alcançar seus objetivos.

A Bahia “ganhou” uma disputa para o Rio Grande do Sul no final dos anos 1990 para sediar a fábrica da Ford. O governador gaúcho da época, Olívio Dutra (PT), não aceitou inúmeras isenções fiscais exigidas pela montadora. “Ganhou” a Bahia e a propaganda do grupo político ligado a Antônio Carlos Magalhães, que reiteradas vezes insinuava que o governo petista de Olívio Dutra “não olhou para o próprio povo”, diferente do governo baiano.

Ironicamente, a Ford não interromperá, pelo menos até então, a produção de carros na Argentina, país que no fim do ano passado aprovou a lei para taxar fortunas (a Bolívia também aprovou). Não custa lembrar que o imposto para que os mais ricos arquem com o déficit público não é uma medida de ruptura com o capitalismo, mas depende de pressão popular para ser aprovado. No caso da Argentina, a medida visa compensar perdas com a pandemia.

Nos negócios, não há gratidão e responsabilidade social. Não se pode cobrar compromisso social de uma empresa privada, pois ela tem o lucro como horizonte. Seu alto escalão não é composto por servidores públicos, que com suas prerrogativas devem alcançar o interesse público.

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), insinuou nesta segunda-feira (11) que a Ford queria subsídios e que ele não daria. No mês de outubro do ano passado, Bolsonaro sancionou lei para prorrogar incentivos fiscais para montadoras e fez associação pejorativa entre o presidente argentino, Alberto Fernández, e a Venezuela.

A tristeza é grande pelas inúmeras demissões que devem ocorrer na Ford, principalmente em um período tão duro como o de pandemia de Covid-19. Não surpreende, porém, que a Ford tenha achado conveniente desinstalar fábricas em um período de quedas nas vendas. Tampouco surpreende que governos prometam empregos ao custo de isenções fiscais milionárias que sufocam os contribuintes da classe média que tem “medo da taxação de fortunas”, como se fossem se tornar alvo da medida. O que surpreende, ou não, é que a mesma casca de banana ainda derrube tanta gente. Continuará derrubando enquanto a política não estiver em tudo nas nossas vidas, até [e principalmente] na maneira de enxergar o “mundo empresarial”.

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