Apesar de sucessivas derrotas de aliados nas eleições municipais, Jair Bolsonaro (sem partido) ainda tem força política para eleger presidentes na Câmara e no Senado. Da oposição ao “bolsonarismo” surge a demanda de se criar uma “frente ampla”, em que “direita moderada”, centro e esquerda devem se unir contra o presidente da República e tudo o que ele representa. Até aí, entendo a ideia do pragmatismo: se deixa de criticar a incoerência nos alinhamentos ideológicos para vencer a maior ameaça ao país.
O problema é quando a bandeira do pragmatismo se origina de falsificação histórica. Nas redes sociais, parte das pessoas que se dizem da “frente ampla contra o fascismo” tem usado uma foto de 1943, da Conferência de Teerã, em que os líderes políticos da União Soviética, dos Estados Unidos e do Reino Unido (foto) se unem para firmar acordos com a iminência do fim da Segunda Guerra Mundial. As três potências combateram a Alemanha, a Itália e o Japão.
O contexto da Segunda Guerra Mundial, caro leitor, é apenas para chegar até a falsificação histórica usada nas redes sociais para defender a “frente ampla”: pessoas inclusive de esquerda têm acusado de intransigência as pessoas de esquerda que não aceitam fazer uma frente ampla com a “direita moderada”, que pode até não usar discurso de ódio como Bolsonaro, mas não vê problema em dar “ração” a pobre, em expulsar pessoas em situação de rua com jatos de água fria em pleno inverno de São Paulo. Essa “direita moderada” só rompeu com Bolsonaro por divergências recentes, mas em um segundo turno entre o atual presidente da República e um candidato de esquerda, não hesitariam em votar na primeira opção.
A falsificação histórica vem da alegação de que o líder soviético foi “pragmático” e “soube ceder”, como fazem “os bons políticos”, independentemente do espectro ideológico. Josef Stalin não sentou na mesma mesa que o britânico Winston Churchill e que o estadunidense Franklin Delano Roosevelt em desvantagem. A União Soviética foi peça importante na vitória contra o nazismo e o fascismo na Segunda Guerra Mundial e pôde barganhar inúmeros territórios na partilha que começou a ser negociada antes mesmo de o conflito chegar ao fim.
O que vemos no Brasil hoje é uma esquerda que não tem poder algum de barganha, que não pode pautar os debates e que acusa o socialismo de “desagregar”. Entendo que as eleições para as presidências da Câmara e do Senado acontecerão no início do mês que vem e que a vitória do candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP), seria um mal menor, pois Arthur Lira (PP-AL) representa o bolsonarismo e todos os seus danos à população, ao meio-ambiente e à imagem do Brasil no exterior. Mas e amanhã? Como pessoas tidas como de esquerda podem acusar socialistas de serem desagregadores por questionarem a estratégia, se política se faz todos os dias e não apenas às vésperas de um pleito para definir o sucessor de Maia? A esquerda precisa se afastar de figuras como Maia e Alcolumbre se quiser oferecer algum tipo de resistência em um futuro próximo, ao invés de servir apenas como massa para negociação de votos.
O cenário no Senado é ainda pior: o candidato de Davi Alcolumbre (DEM-AP) negocia, pasmem, com Bolsonaro e com o PT. Rodrigo Pacheco (DEM-MG) terá como adversário um candidato do MDB, que possivelmente também gozará do prestígio de Jair Bolsonaro, como Eduardo Gomes (MDB-TO), Fernando Bezerra (MDB-PE) ou Eduardo Braga (MDB-AM). Os três senadores do MDB receberam a alcunha de “trio maravilhoso” do presidente da República.
Se é para falar de pragmatismo, esqueçamos a interpretação equivocada da Conferência de Teerã: Estados Unidos, França e Reino Unido temiam mais a União Soviética do que a Alemanha de Hitler antes do início da Segunda Guerra Mundial. Os russos ficaram isolados, fizeram um pacto de não-agressão com os alemães e durante a guerra se aliaram aos estadunidenses, franceses e britânicos. A história se repete: na atual “frente ampla” há quem tenha mais medo do PT do que de Bolsonaro. Mas o PT não está no poder.
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