O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) abriu a 76ª Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (21), em Nova York, e usou o discurso para divulgar um país desconhecido pela maioria dos brasileiros.
Havia a expectativa, pela ala moderada do governo, de que o presidente discursasse em caráter diplomático e conciliador, o que não ocorreu. O tom de campanha eleitoral e contra a vacina da Covid-19 prevaleceu, pontuado por dados falsos ou distorcidos — e por ataques à imprensa.
“Venho aqui mostrar um Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões”, disse Bolsonaro, no início de sua fala. Em uma lista, revista pela Folha de S. Paulo, foram desmistificadas algumas das frases ditas pelo presidente na ONU. Acompanhe:
1 – O Brasil está “há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”. A verdade, no entanto, é que há diversas investigações em curso envolvendo, inclusive, aliados e familiares do presidente.
Ver caso Covaxin, com suspeitas de contrato bilionário entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, para a compra de vacinas contra a Covid-19. Nesse sentido, a CPI da Covid tem apurado ações e omissões do governo federal na pandemia, além de repasses federais a estados e municípios.
Há ainda o caso das “rachadinhas”. Inicialmente, a prática foi identificada no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais recentemente, porém, surgiram indícios de que o próprio Bolsonaro, quando deputado federal, tinha uma atuação concreta no esquema.
2 – O presidente afirmou que “no dia 7 de setembro o Brasil teve a maior manifestação de sua história”. Outras ocasiões, como a campanha das Diretas Já (1984), os protestos de junho de 2013 pelo impeachment de Dilma Rousseff, entre outros eventos, reuniram muito mais ativistas.
3 – Ele Afirmou que “durante a pandemia de coronavírus o Brasil pagou um auxílio emergencial de US$ 800”, o que daria R$ 4.260 na cotação atual. Este foi o valor total pago em alguns casos, mas parcelado ao longo de meses, não o dinheiro que cada família teve para passar o mês.
4 – “Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade”, disse o presidente, acrescentando que as políticas de isolamento e contenção dos contágios “deixaram um legado de inflação”.
Em uma série de situações é possível comprovar que Bolsonaro minimizou a gravidade da pandemia, referindo-se à doença como “gripezinha” e contrariando medidas sanitárias básicas, como o uso de máscaras e o ato de evitar aglomerações.
No campo econômico, ao propagandear uma estimativa de crescimento de 5% para 2021, Bolsonaro omite o fato de que grande parte dessa aparente ascensão é, na verdade, um efeito estatístico, visto que o país vem de um 2020 em queda. Além disso, agentes financeiros preveem um crescimento menor que o previsto pela pasta da Economia e já falam em um PIB abaixo de 1% em 2022.
5 – Sobre a geração de empregos ele disse: “Lembro que terminamos 2020, ano da pandemia, com mais empregos formais do que em dezembro de 2019, graças às ações do nosso governo”. Nesse período, houve uma mudança na metodologia do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) que impede uma comparação adequada entre os números dos dois anos.
Pelo contrário, o Brasil alcançou recordes negativos em 2021 que foram ignorados no discurso do presidente. Nunca houve tantos trabalhadores desempregados há mais de dois anos no país, e a taxa média de desemprego ao final de 2020 foi a maior em 30 anos.
6 – Bolsonaro também defendeu o tratamento precoce contra a Covid e fez uma crítica indireta às vacinas. Ele se posicionou contra o passaporte sanitário para acessar lugares e serviços públicos. “Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada à vacina.”
7 – Na parte ambiental, disse que “84% da Floresta Amazônica está intacta” e que “houve queda do desmatamento em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano anterior”. No entanto, o desmatamento avançou em seu governo.
Nos cinco anos anteriores ao governo Bolsonaro, a média de desmatamento na Amazônia foi de 6.719 km2, segundo o Inpe. Já nos dois primeiros anos da atual gestão a média foi de 10.490 km2, um aumento de 56%. Os dados de 2021 serão divulgados apenas no fim do ano, mas devem ficar novamente em torno de 10 mil km2, estima o Observatório do Clima.
8 – Sobre o marco temporal para reservas indígenas, Bolsonaro não falou, mas afirmou que 14% do território brasileiro é composto por reservas, onde vivem 600 mil indígenas, e que eles “cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades”.
9 – Sobre refugiados, disse que o Brasil recebeu 400 mil venezuelanos refugiados, em uma crise “gerada pela ditadura bolivariana”, sem citar o nome de Nicolás Maduro. Disse também que o futuro do Afeganistão causa grande apreensão. “Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos”.
A participação de Bolsonaro na Assembleia da ONU, deste ano, durou 12 minutos, a mais curta das três oportunidades. Em 2019, Bolsonaro falou durante 32 minutos, e, no ano passado, 14 minutos.
A imunização tem sido o principal tema da viagem do presidente aos EUA antes da Assembleia. A cidade de Nova York determina que apenas vacinados possam ir a eventos em lugares fechados e comer na área interna de restaurantes. Sem comprovante de imunização, o presidente tem optado por comer na rua.
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Ele tem evitado falar com a imprensa. Mesmo assim, ativistas têm feito protestos contra o presidente. Na noite de segunda (20), um caminhão anunciou Bolsonaro como ‘Criminoso climático’ pelas ruas de Nova York.
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Em outro momento de manifestações contra Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mostrou o dedo do meio ao grupo que criticava o governo.
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Bolsonaro está em Nova York desde domingo (19). Ele deve partir de volta à Brasília hoje à noite.
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